Tiago, 1: 9 a 11

Glorie-se o irmão de humilde condição na sua exaltação, mas o rico na sua humilhação, porque passará como a flor da erva.

É bem provável que Tiago se lembrasse dos ensinamentos dos profetas Jeremias e Isaías ao escrever estes versos:

Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR, que faço beneficiência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR.1

Eis uma Voz que diz: Clama; ao que pergunto: Que hei de clamar? Toda carne é erva, e toda a sua beleza, como as flores do campo. Seca-se a erva, e caem as flores, soprando nelas o hálito do SENHOR. Na verdade, o povo é erva. Seca-se a erva, e caem as flores, mas a palavra de nosso Deus subsiste eternamente.2

O ensinamento do Evangelho é para todos, pobres e ricos, humildes e orgulhosos. A questão é que nem todos estão preparados para compreendê-lo.

O humilde representa aquele que sabe de sua insignificância diante da grandeza do Criador. Reconhece que a única forma de se fazer agradecido àquele que é Todo Poder é fazendo de sua vida motivo para servir. Sabe que os verdadeiros valores não são os que se destacam no mundo, assim, gloriam-se da dignidade que possam ter, da posição elevada na esfera do Espírito por uma moral superior conquistada.

Para o Cristo não importa se o discípulo é rico ou pobre, o que o qualifica como servidor é o fato de, se rico não ser possuído pelos bens, se pobre ser grato pela riqueza espiritual que tem como herdeiro do Eterno Dispensador.

Porque sobre o sentimento do verdadeiro cristão diz o apóstolo Paulo:

contristados, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como nada tendo e possuindo tudo.

Ensina ainda Tiago, que o rico deve se gloriar na sua humilhação, por quê?

Ao dizer isso refere-se à riqueza profana, aos valores transitórios. Acha-se rico no mundo aquele que pensa que os bens são seus, e aí está a grande ilusão.

Tudo que temos é uma concessão do Alto para melhor realizarmos a nossa evolução. Tudo é material didático para levar o Espírito, aluno na escola da vida, à sua educação moral. Assim, todos os bens pertencem a ele o tempo necessário para realizar determinado aprendizado, tudo tem um tempo certo de acordo com a utilidade em que for usado. Findo este tempo, como a flor da erva, ou as flores do campo, secam e caem as flores, tem de deixar o rico suas posses para nova fase de aprendizado.

Se aquele que transitoriamente deteve os bens pensa que tudo era seu, passa por muitos sofrimentos e aí, já que acha que só isso tem valor, sente-se humilhado.

Esta “humilhação” é positiva, é didática, pois leva aquele que passa por tal momento à reflexão sobre os verdadeiros valores, e quando cai em si, reconhece e gloria esta humilhação, pois foi ela que promoveu o seu aprendizado e permitiu seu progresso espiritual.

É necessário compreendermos com o profeta Isaías, que toda carne é erva, e que sua beleza, como as flores do campo secam. Carne aqui representa o material, o transitório. Valor este pelo qual muitas vezes lutamos dando a própria vida, perdendo noites de sono e de tranquilidade.

Assim, aprendamos a valorizar a Palavra de Deus, que conforme ensinamento Daquele que é o Verbo que se corporificou, nos revela que a alma é imortal, que o Reino dos Céus não é deste mundo, e que a moeda da felicidade é a do amor e do serviço ao semelhante.

Nós já nos dizemos cristãos, por que tanta dificuldade em compreender tudo isto?

Com efeito, basta que surja o sol com o seu calor3 e logo seca e a erva e sua flor cai e desaparece a beleza do seu viço!

O tempo é o medicamento do Criador para a cura de todas as imperfeições da alma.

No mundo em que vivemos tudo está sujeito a um processo evolutivo em suas feições descendente e ascendente em busca de uma produção de utilidade ou de um aperfeiçoamento maior.

Em determinado momento o vegetal precisa do sol para crescer e se fazer belo, todavia em outro, o calor e o vento causticante faz com que este mesmo vegetal seque e perca sua beleza exuberante. Todavia a perda da beleza pode significar utilidade providencial em que o fruto morto alimente e gere a semente para o início de um novo ciclo interminável de aprimoramento.

Nestes versículos Tiago usa do excelente recurso didático que aprendeu com seu Mestre Jesus, ou seja, ela usa de uma parábola para trazer um ensinamento àqueles que o lessem.

Ele compara – o que é um dos significados do grego parabolé – os recursos materiais de um rico com a flor da erva, ou a flor do campo, em seu ciclo ascendente e descendente.

A fase de melhor aparência da flor do campo representa o momento de glória da riqueza do mundo. Há alegria, segurança, beleza, entre outras possibilidades. Mas esta não é uma fase de só aparência, do mesmo modo que a flor do campo tem uma função na vida do vegetal e mesmo do ambiente que o rodeia, a riqueza tem também uma função social que precisa ser cumprida.

O sol, o calor, o vento que sopra e seca as flores, representam o fim de um ciclo produtivo para o surgimento de outro. O mesmo se dá, conforme já dissemos, com todo material didático fornecido pela vida para o aperfeiçoamento do Espírito; a riqueza é um destes instrumentos que possibilita tal crescimento, ela também tem um movimento ascendente em que cresce e um descendente em que se esvai. Isto é muito comum em nosso meio no que diz respeito ao patrimônio das empresas e das famílias.

Tiago alerta ao rico para que glorie-se neste momento porque ele é de oportuno aprendizado. É o que chamamos de desvinculação é que é de grande valia, e dizemos mais, de valor imprescindível para o processo evolucional.

Há uma perda de beleza, mas um ganho efetivo na economia moral do Ser em trânsito para a angelitude quando isto se dá.

Eis como acabará por perecer o rico no meio dos seus negócios!

Esta é a conclusão da parábola e que representa em sua profundidade todo o processo de desvinculação. Isto se dá não só em relação aos patrimônios que dizem respeito à transitoriedade material, mas até mesmo em relação a pessoas e sentimentos que passam pela dinâmica da vinculação e desvinculação.

Um pai ao entregar sua filha querida ao noivo para que estes iniciem um novo projeto familiar passa pelo mesmo sentimento.

As amizades, a cultura simplesmente intelectual, as posses de bens, tudo tem este mesmo ritmo em que a vida ensina-nos a usar e deixar, a servir e perdoar, a reter e a desapegar.

A própria encarnação do Espírito passa pelo mesmo processo. Infância, adolescência, fase adulta, velhice, desencarnação, nova oportunidade encarnatória, são ciclos que a seu tempo dizem do andamento de todo este mecanismo de quedas e ascensões para que o Espírito atinja suas metas e se glorie oportunamente.

A beleza de tudo isso é a certeza que fundamenta a nossa fé consciente de que todo este mecanismo universal nada mais é que a palavra de nosso Deus [que] subsiste eternamente.4

 

1 Jeremias, 9: 23 e 24

2 Isaías, 40: 6 a 8

3 Talvez Tiago se referisse ao sharav, que é um vento quente e seco que sopra sobre a terra de Israel, do deserto para o leste, na primavera e no outono. (Novo Testamento Judaico, pág. 290)

4 Isaías, 40: 8