1 Tessalonicenses, 2: 17 a 20

 

Nós, porém, irmãos, sendo privados de vós por um momento de tempo, de vista, mas não do coração, tanto mais procuramos com grande desejo ver o vosso rosto.

Como dissemos no início destes comentários, a presença física de Paulo junto às comunidades do Evangelho já não era possível devido ao crescimento das mesmas e a problemas outros enfrentados por todo aquele que se dedica ao trabalho do Bem. Porém sabia ele que este distanciamento era questão de tempo e estava ligado à relatividade deste. Eram ligados pelo laço indissolúvel do coração, pelos vínculos da alma, e como já somos sabedores, as questões do espírito não se sujeitam às dimensões tempo e espaço, pois estas dizem respeito apenas às questões vinculadas à matéria.

Paulo sabia da transitoriedade das imposições do mundo, sabia compreender a necessidade de se passar por elas, e, superá-las; este era assim, o seu objetivo.

Por quantas vezes o mesmo não acontece conosco no encaminhamento de nossa vida? Quantas vezes não somos afastados daqueles a quem somos ligados pelos laços afetivos? Saibamos compreender a necessidade de vencermos etapas que se fazem necessárias dentro do plano operacional da Vida. Lembremos a citação evangélica, o justo viverá por sua fidelidade1. Se assim fizermos, aceitando os desígnios superiores, ajustando a eles a nossa liberdade, atuaremos na faixa do espírito que como dissemos transcende tempo e espaço e mais cedo do que poderemos supor estaremos juntos a estes queridos do coração para o prazeroso trabalho do Bem.

Pelo que bem quisemos, uma e outra vez, ir ter convosco, pelo menos eu, Paulo, mas Satanás no-lo impediu.

Paulo informa aos seus leitores que esta distância não é por vontade sua, mas além da imposição do trabalho, existem outras coisas contrárias à sua vontade.

Quis ele por mais de uma vez voltar aos seus amigos de Tessalônica, mas diz: Satanás no-lo impediu.

Existem no mundo dual em que vivemos duas forças opostas, a do bem e a do mal. Toda força contrária ao Bem que é natural na criatura em seu estado de origem, pois a nossa origem é Deus, pode ser compreendida como satanás, diabo, ou demônio, que no Evangelho são designadas por três palavras gregas diferentes, mas que em geral têm o mesmo sentido, o de desunião, de caluniador de acusador, de adversário. Do mesmo modo que quando aderimos às forças superiores da vida somos instrumentos de Deus, se por invigilância ou ignorância vincularmo-nos às propostas adversárias, da treva, seremos instrumentos de satanás.

Neste ponto da carta Paulo refere-se por satanás, a todas as forças contrárias ao Evangelho, que comumente eram os judeus ortodoxos e outras vezes eram alguns dentro das próprias comunidades cristãs nascentes que insistiam em não compreenderem a liberdade da mensagem de Jesus e continuavam a valorizar mais os ritos e atitudes exteriores exigidos pela prática religiosa dominante.

Este mecanismo de ação de satanás como instrumento das trevas, é muito bem descrito no Apocalipse, no capítulo 13, que citamos abaixo para que possamos compreender a sutileza com que os ainda adversários do Bem agem em nossa vida, e o que é pior, muitas vezes através de nós:

E adoraram o dragão que deu à besta o seu poder; e adoraram a besta, dizendo: Quem é semelhante à besta? Quem poderá batalhar contra ela?

E foi-lhe dada uma boca para proferir grandes coisas e blasfêmias; e deu-se-lhe poder para continuar por quarenta e dois meses.

E abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar do seu nome, e do seu tabernáculo, e dos que habitam no céu.

E foi-lhe permitido fazer guerra aos santos e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre toda tribo, e língua, e nação.

E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.

Se alguém tem ouvidos, ouça.2

Porque qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória? Porventura, não o sois vós também diante de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda? Na verdade, vós sois a nossa glória e gozo.

A esperança é uma das virtudes sempre referidas pelo apóstolo das gentes. Faz parte do lema de Abigail, o que já comentamos3. É ela uma virtude ligada ao otimismo, é o que esperamos que de melhor aconteça.

O gozo, ou alegria, é a satisfação de ver um projeto, pelo qual trabalhamos, realizado. Paulo se empenhava ao máximo na evangelização das criaturas, e tinha imenso gozo ao ver os frutos do Evangelho crescer na intimidade de cada um.

A coroa da glória representa também um momento de grande satisfação, todavia nosso entendimento pode ser aprofundado; trata-se da a bem aventurança destinada àquele que completou um ciclo dentro do plano evolucional. É o descanso do sétimo dia.

Paulo estava sensivelmente feliz com os seus pupilos de Tessalônica, tinha enviado até eles Timóteo, para que este lhe trouxesse notícias desta querida comunidade, e estava imensamente feliz por saber que estes tinham se mantido fiéis ao Cristo através da obras de caridade. Este era o seu gozo, a coroa da glória. Seus amigos estavam se preparando bem para a “parusia” do Cristo.

Parusia era o termo técnico com que os cristãos desse tempo designavam um novo Advento do Senhor no fim do mundo. Informa-nos o professor Huberto Rohden que esta palavra era tomada da linguagem da vida civil da época, quando parusia significava a solene visita do César a uma província ou cidade do império.4

Esse tema merece de nossa parte um comentário, mesmo que singelo, por se tratar de um dos temas desta carta que ora estudamos.

Era comum à grande parte dos cristãos primevos, a crença na volta do Senhor. Porém, hoje, à luz da filosofia espírita é importante comentarmos como isto se dará segundo a nossa ótica.

Não temos a pretensão de esgotar o assunto, nem de dar nenhuma posição definitiva sobre o assunto, até porque não temos condições para isso. Porém, não podemos nos ausentar de tema algum desta importância.

Algumas traduções do Novo Testamento, inclusive as fundamentadas nos melhores manuscritos, têm, neste versículo, excluído o termo “Cristo”, ficando assim, a tradução: “na presença de nosso Senhor Jesus em sua vinda?”

Neste ponto consideramos a versão de Almeida revista e corrigida, que usamos para estes comentários, pois a palavra Cristo aqui é essencial; no segundo Advento do Senhor, o que se dará segundo temos apreendido dos estudos do texto evangélico, é a volta do Cristo (em nós), e não de Jesus em um outro momento encarnatório ou numa presença apocalíptica.

O texto de João, no capítulo 14 é claro:

Jesus respondeu e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.

Assim, essa segunda vinda do Senhor é individual e se dará em cada um a partir de seu amadurecimento espiritual. Para uns, como Francisco de Assis, ou o próprio Paulo de Tarso, este Advento já aconteceu, para outros poderá demorar séculos ou mesmo novos milênios. Para nós, quando se dará não sabemos, a oportunidade está aí, a nossa adesão e fidelidade a ela poderá abreviar sua chegada, nossa recalcitrância em favor dos valores do mundo, retardar.

1 Habacuc, 2: 4, citado por Paulo em Gl, 3: 11 , Rm, 1: 17 e Hb, 10: 38.

2 Apocalipse, 13: 4 a 9

3 Capitulo 1º deste estudo, nos comentários do Versículo 3 do cap. 1 desta epístola.

4 Op. Cit., pág. 191.