I Tessalonicenses, 2: 9 a 13

Porque bem vos lembrais, irmãos, do nosso trabalho e fadiga; pois, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós, vos pregamos o evangelho de Deus.

Neste versículo poucos temos que comentar, visto já termos tratado de todos os temas aqui expostos. Resta-nos apenas ressaltar que o trabalho no bem deve ser incessante e com continuidade, como expressa a sequencia noite e dia, ou seja, sem interrupção e com perseverança.

Quando se adquire a consciência que Paulo obteve na estrada de Damasco e no deserto da Arábia, passa-se a ter a própria redenção como o tesouro maior a ser conquistado; e como ensina o Cristo que esta redenção só vem após o trabalho pelo aperfeiçoamento de nossos sentimentos que se dá pela constância no bem, passamos a priorizar a proposta de autorrealização que se dá, deste modo, noite e dia.

Noite, expressando o trabalho a ser realizado de autoiluminação para iluminar as trevas. É operando na noite (trevas) que solidificamos a nossa luz. E dia como a sequencia natural de um novo ciclo, aberto também com a continuidade do trabalho em um dinamismo incessante.

Sobre este momento de amadurecimento espiritual de Paulo na Arábia, que citamos acima, o Professor Huberto Rohden tece valiosos comentários que muito podem nos auxiliar na compreensão da conversão deste que é, segundo ele mesmo, o maior bandeirante do Evangelho:

Antes de tudo, convém rebater a idéia pueril de certos cristãos piedosos e ingênuos que imaginam os santos como que “caídos do céu” e se esquecem de que o santo se forma aos poucos, evolve, progride, se aperfeiçoa através de mil vicissitudes, por entre os fluxos e refluxos da luz e das trevas, do bem e do mal.1

Vós e Deus sois testemunhas de quão santa, justa e irrepreensivelmente nos houvemos para convosco, os que crestes.

Em particular neste versículo, gostamos mais da tradução da Bíblia de Jerusalém que diz:

Vós sois testemunhas, e Deus também o é, de quão puro, justo e irrepreensível tem sido o nosso modo de proceder para convosco, os fiéis.

É que de acordo com a lógica do pensamento de Paulo não podemos traduzir o grego pistis (fé) cujo verbo é pisteuein, que designa o ato de ter fé, por crer. É que em latim o substantivo fides (fé) não tem um verbo derivado. Deste modo, os tradutores latinos tiveram que recorrer a um verbo de outro radical para designar o ato de ter fé. Este verbo é credere, que em português quer dizer crer. Todavia pisteuein designa um estado de fidelidade, e não apenas de crer o que pode ser muito vago.2

Portanto, estes a quem Paulo dirige esta carta são na realidade, os fiéis, conforme expressa a tradução da Bíblia de Jerusalém, e não os que crestes, conforme a tradução de Almeida.

No mais é importante destacar a sequencia dita por Paulo, quão puro, justo e irrepreensível, definindo seu modo de proceder perante os adeptos da mensagem do Cristo.

Puro, isto é, sem nenhuma impureza ou contaminação, honesto, cristalino.

Justo, imparcial, reto, íntegro.

Irrepreensível, que não merece censuras, perfeito, correto.

O que entendemos por pureza doutrinária passa pela vivência do sentimento expresso nestes três adjetivos, não só no que diz respeito aos aspectos doutrinários em si, mas principalmente na convivência com os semelhantes que é o objetivo maior da práxis cristã.

Assim como bem sabeis de que modo vos exortávamos e consolávamos, a cada um de vós, como o pai a seus filhos, para que vos conduzísseis dignamente para com Deus, que vos chama para o seu reino e glória.

Paulo jamais privilegiou quem quer que fosse, tratava todos com equanimidade. Assim, consolava e exortava cada um em particular se preciso fosse, valorizando e compreendendo a individualidade de cada um dentro da universalidade da mensagem cristã. Fazia deste modo, como o pai zeloso faz pelos seus filhos, buscando conduzir cada qual para o melhor dentro de sua ótica.

Tinha, o converso de Damasco, a certeza de que a mensagem da Boa Nova era o melhor para cada um, que a busca de Deus é o objetivo de todos, até mesmo daqueles que esquecidos e iludidos encontram-se momentaneamente querendo negá-Lo. Deste modo, alertava seus leitores conduzindo-os dignamente para com Deus, essa era uma de suas características, a fidelidade constante para com Deus e a sua consciência que dizia ser seu dever, segundo recebera do próprio Cristo, conduzir as almas simples para o Reino e Glória do Senhor.

Deus chama cada um de nós para voltar a este Reino; basta que entremos no silencio do Criador e escutemos as suas propostas, propostas estas que nos ocorrem no dia a dia de nossa vida através das circunstâncias.

A questão 621 de O Livro dos Espíritos nos diz que a Lei de Deus está gravada em nossa consciência, na de todos, e que nós a esquecemos. Deus quer o despertar desta consciência e para tal nos proporcionou a lei da evolução. Como se isso não bastasse, por misericórdia, permite que mensageiros diretos deste Seu Reino venham até nós para nos lembrar desta perda que tivemos e novamente nos conduzir para o Seu equilíbrio. Paulo foi um destes maiores condutores ao Reino que o Criador permitiu encarnar entre nós, através do Cristo o resgatou para o cumprimento desta valiosa missão, e ele consciente de tudo isso quer aos seus seguidores daquele tempo, e todos que mais tarde aderissem, conduzir com dignidade para essa esfera de graça e felicidade.

Pelo que também damos, sem cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que crestes.

O apóstolo aqui dá graças a Deus, com muita consciência, pela oportunidade de participar deste projeto de implantação do Reino no coração das criaturas. Sabia da sua condição de intermediário, a revelação era de Deus, e não de homens, e deste modo foi acolhida pelos seguidores de Tessalônica.

Importa-nos aqui fazer duas considerações sobre a importância deste correto acolhimento da Palavra que aqui representa a revelação do Alto.

Allan Kardec fez-nos ver o Espiritismo como a terceira revelação da Lei de Deus3, para nós os ocidentais. Do mesmo modo que esta revelação foi orientada por Espíritos superiores a serviço do Criador, as outras duas, a de Moisés e a de Jesus, também foram. Deste modo, vale tanto para o Antigo quanto para o Novo Testamento, o que Kardec fala sobre a revelação espírita, não é esta uma revelação de homens, mas de Deus. É preciso que entendamos que se a terceira revelação se dá também no âmbito da ciência, as outras duas, se expressam de forma alegórica, onde é preciso que se tire o “espírito da letra” para que alcancemos seu profundo conteúdo revelador. Allan Kardec nos orienta para esta necessidade, vide a questão 59 de O Livro dos Espíritos, e A Gênese, onde no cap. XII, item 12, diz claramente:

Não rejeitemos, pois, a Gênese bíblica; ao contrário, estudemo-la, como se estuda a história da infância dos povos.

Trata-se de uma época rica de alegorias, cujo sentido oculto se deve pesquisar; que se devem comentar e explicar com o auxílio das luzes da razão e da Ciência.

A segunda consideração a ser feita sobre o acolhimento da Revelação é que ela se dá de forma completa em três ciclos. No primeiro momento recebe-se a Palavra4, num segundo acolhe-se esta na própria intimidade da criatura, (os discípulos de Tessalônica receberam de Paulo a Palavra, e esta operava neles, os fiéis [os que crestes, segundo Almeida]); no terceiro momento, a Palavra já faz parte da conduta íntima daquele que aderiu a ela, e ela, a Palavra, é exteriorizada em forma de atitudes.

Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim5


 

1 Paulo de Tarso – O Maior Bandeirante do Evangelho, pág. 64, Ed. Martin Claret, Série Ouro, São Paulo, 2005.

2 Ver a este respeito os comentários de Huberto Rohden na obra já citada.

3 Cf. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. I, item 6.

4 Ver 1ª Coríntios, 11: 23

5 Gálatas, 2:20