Carta à Igreja de Esmirna

 

 

Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: Estas coisas diz o primeiro e o último, que esteve morto e tornou a viver: 9 Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás. 10 Não temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. 11 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: O vencedor de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte.1

Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: Estas coisas diz o primeiro e o último, que esteve morto e tornou a viver:

Sobre Esmirna, sabemos que era uma cidade portuária da costa oeste do mar Mediterrâneo. Localizava-se a 65 km ao norte de Éfeso. Que era uma cidade rica materialmente falando e que competia com Éfeso.

O primeiro versículo de todas as cartas são praticamente iguais conforme já comentamos, fala a qual igreja se dirige, através de seu Anjo, que como vimos é o guia espiritual desta igreja, e depois faz uma referência ao Filho do homem que é o autor espiritual das cartas, sempre com expressões usadas no primeiro capítulo, portanto, já comentadas.

Todavia como nosso objetivo é fazer um estudo buscando aumentar nossas capacidades autoeducativas, poderemos ainda dizer que Jesus não morreu, ele foi morto, quer dizer nós o tiramos de nossas cogitações, período em que Ele esteve morto em nós.

Entretanto, como o que tem Vida Eterna nunca morre, Ele tornou a viver em nossa intimidade, se não de forma plena ainda, pelo menos em nosso quadro mental como uma necessidade a ser buscada.

Assim, para fazer com que Ele viva de forma permanente, que é a proposta desta Revelação, é preciso tomar conhecimento do que Ele escreve, escrevendo-O também em nossa vida, isto é, vivenciado-O.

9 Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás.

Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico); o Apocalipse foi escrito num dos períodos mais negros para a comunidade de Jesus no que diz respeito às perseguições do império romano.

Houve uma grande perseguição no tempo de Nero, entretanto, após a destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 de nossa era, até o ano 131 aproximadamente, quando Jerusalém foi completamente destruída, o cristianismo passou a ser uma das grandes ameaças para o império, razão por que as perseguições aumentaram. Foi neste período que João foi exilado em Patmos simplesmente por não se render ao imperador, na época, Domiciano.

Só para se ter ideia, muitos cristãos foram caçados e perseguidos, e condenados por ateísmo, por não adorarem o deus do império que era Domiciano.

Deste modo, esta tribulação a que o texto se refere, diz deste tempo difícil e de todas as perseguições que sofria o movimento de Jesus.

Esmirna era uma cidade que se destacava pelo comércio, grande era a sua riqueza. Entretanto, a expressão, conheço a tua pobreza, (mas tu és rico), depreendemos ser um jogo de palavras e se referia à comunidade cristã.

Normalmente, quem é rico materialmente falando, é pobre em espírito; e quem é pobre em relação às questões transitórias, é rico naquilo que é um valor perene da alma.

Deste modo, o texto faz um jogo, Esmirna era rica materialmente e pobre espiritualmente, enquanto sua igreja, era pobre do transitório, conheço a tua pobreza, mas rica nos valores do espírito, mas tu és rico…

A simbologia do texto nos leva a algumas reflexões importantes.

Não existe vivência do Evangelho sem tribulações. Portanto, se desejamos servir ao Senhor, nos preparemos, “a chapa vai esquentar”.

Por que isto se dá, justamente com aqueles que desejam seguir pelos caminhos de Deus?

Além de nossos débitos passados que precisam ser resgatados, é imperioso compreendermos que nossa depuração se dá pela queima dos resíduos de nosso psiquismo vinculado ao interesse pessoal, o que por si só já traz grande sofrimento para aquele se acostumou a ser o centro das cogitações. Somos como o diamante bruto que precisa ser lapidado, e este processo de lapidação, não se dá com instrumento macio, mas com o buril que é uma ferramenta de aço e cortante.

Poderemos ser questionados, mas onde fica então o fardo leve e o jugo suave a que se referiu Jesus?

Esta leveza e suavidade são dadas pela compreensão do processo da evolução e do mecanismo de funcionamento da Lei de Deus, associados à vivência do amor ensinado pelo Cristo. Se nós achamos, portanto, que o nosso fardo está pesado, e que o jugo está insuportável, fiquemos alerta, não estamos sob o jugo do Cristo, não estamos deixando Ele nos dirigir; precisamos, portanto, mudar de direção.

Concluindo esta primeira reflexão, o Evangelho não é isenção de tribulações, é, todavia, competência em administrá-las.

Outra questão importante de ser por nós pensada é quanto aos valores que buscamos. Pretendemos a riqueza material ou a espiritual, servir a Deus ou a Mamon?

Uma não exclui a outra, podemos ter muitos bens e servirmos a Deus atendendo também ao nosso semelhante. Todavia, é preciso sermos sinceros conosco mesmo, é muito difícil um homem de posses não ferir sua consciência para mantê-las ou realizar novas conquistas. A parábola que fala da dificuldade de passar um camelo pelo fundo de uma agulha, comparando esta situação com a probabilidade de um rico entrar no céu, é muito significativa, e quem nos contou ela foi o Mestre dos mestres2.

e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são; segundo o professor Paulo Dias, é preciso considerarmos que na antiguidade, religião e nacionalidade estavam unidas. Judeus, neste caso, significava a comunidade cristã junto com Israel. Estes falsos judeus poderiam muito bem serem aqueles que denunciavam os cristãos às autoridades romanas, por exemplo.

Sabedores que somos que nesta mesma época ao judaísmo estava associado a existência de um Deus único, que este povo era o que mais buscava os fatores espirituais, e que era por ele que tinha vindo as duas mais importantes revelações de Deus, a da Torah e a do Evangelho, podemos ver através desta expressão, judeus, o símbolo daquele que é espiritualizado, o que cogita de Deus em sua vida, o que busca segui-Lo, ou mesmo o religioso de um modo geral.

Declarar-se judeu, deste modo, e não ser, significa fazer-se de espiritual e ser falso neste quesito priorizando as questões materiais.

Podemos ver aí os falsos religiosos, os cristãos de fachada, que usam o nome do Senhor para se parecerem bondosos, mas que, no entanto, têm grande apetite para as conquistas do mundo. Prestemos atenção no que diz o texto, isto é uma blasfêmia, um insulto a Deus, um contrassenso.

Nossa comunidade cristã atual, seja ela espírita, católica, protestante, ou o que for, como tem se comportado quanto à máxima de que é pelo muito se amarem que os meus discípulos serão reconhecidos? E em relação àquela fraternidade que vimos na Casa do Caminho quando do atendimento aos necessitados da cidade de Jerusalém no período logo posterior à crucificação do Senhor?

São questões que também não podemos desprezar, afinal, nos declaramos cristãos, no entanto, temos sido?

sendo, antes, sinagoga de Satanás. Temos aqui mais um símbolo. A sinagoga era a igreja dos judeus.

Era a assembléia de judeus que se reunia para orar, estudar as Escrituras, e cultivar os valores espirituais.

Tratava-se, portanto, de um ambiente pródigo em espiritualidade.

Não é novidade para nós espíritas que do mesmo modo que Jesus tem a sua comunidade, os Espíritos que a Ele fazem oposição, isto é, as inteligências da treva, também têm a sua.

Portanto, esta é uma das formas de entender a expressão sinagoga de Satanás. São aqueles Espíritos que se organizam para combater o Bem e tudo que diz respeito ao Filho do homem.

Quando estes se declaram como tais, até que não é difícil evitá-los de nossos movimentos de serviço cristão. Todavia, quando eles se infiltram em nosso meio, vestidos de cordeiro, ou quando associam-se a elementos de nossas comunidades pelo plano mental e fazem-se parecer com um dos nossos, às vezes com pensamentos muito próximos dos verdadeiros, porém, sutilmente contrários aos ensinos do Mestre, eles são um perigo, pois enganam a muitos de nós, até mesmo, aos escolhidos.

Não foi isto que disse Jesus?

porque surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se possível fora, enganariam até os escolhidos.3

O Apocalipse volta a tratar deste assunto, chama-os de sinagoga de Satanás, pois em verdade trabalham para o pai da ilusão, do engodo, da felicidade fácil.

Ora, eles se vestem de Espíritos reveladores, de médiuns invigilantes, de lideranças promotoras de discórdia, de polemistas contumazes.

Tenhamos cuidado, eles a si mesmos se declaram judeus e não são… este é o alerta Daquele que é o primeiro e o último, que esteve morto e tornou a viver.

10 Não temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida.

Não temas as coisas que tens de sofrer. Esta é mais uma orientação de grande importância.

Dizem os estudiosos da psicologia espiritualista, que o antípoda do amor não é o ódio, e sim o medo.

Se o amor é realizador, o medo congela-nos e impede-nos de produzir o Bem.

O amor une, o medo divide.

O amor traz-nos segurança, o medo desconfiança…

Portanto, o temor é um sentimento que não pode estar presente entre aqueles que desejam o serviço cristão.

As coisas que tens que sofrer, no contexto diz de uma profecia em relação ao que iria acontecer à comunidade de Esmirna. Mas este é um sentimento presente em nossa vida atual.

Vivemos em uma época em que tememos tudo, desde um simples sair de casa e ser assaltado, a uma perda de valores materiais, ou até mesmo de entes queridos. Na maioria das vezes tememos o que nunca acontece.

A orientação do Autor da Revelação diz respeito a uma necessidade de fé, objeto este raro em nossos dias. Se estavam eles a serviço de Jesus, eram naturalmente protegidos por Ele e pelos Espíritos a Ele agregados no trabalho do Reino. Portanto, nada que pudesse fazer mal ao Ser que sobrevive a morte lhes aconteceria.

Hoje temos muito mais informações da espiritualidade. Temos plena certeza da ação de Deus em nosso favor; sabemos que a Lei só nos retorna o que é economicamente viável para o nosso Ser imortal; que aquilo que merecemos que não é muito agradável, se não for atenuado pela vivência do amor, nos acontecerá mesmo, temamos ou não. Então, por que sermos tão temerosos quanto às coisas que temos que sofrer? Não é este um grande paradoxo?

Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós; para compreendermos melhor este versículo, principalmente com o objetivo de, dele retirarmos ensinamentos para a nossa vida pessoal, é preciso entendermos o verdadeiro significado do vocábulo diabo.

A palavra vem do grego diabolos e quer dizer, aquele que desune (inspirando ódio, inveja, orgulho); caluniador, maledicente.4

Temos que compreendê-la à luz de João, 8: 37 a 44:

Bem sei que sois descendência de Abraão; contudo, procurais matar-me, porque a minha palavra não está em vós. 38 Eu falo das coisas que vi junto de meu Pai; vós, porém, fazeis o que vistes em vosso pai. 39 Então, lhe responderam: Nosso pai é Abraão. Disse-lhes Jesus: Se sois filhos de Abraão, praticai as obras de Abraão. 40 Mas agora procurais matar-me, a mim que vos tenho falado a verdade que ouvi de Deus; assim não procedeu Abraão. 41 Vós fazeis as obras de vosso pai. Disseram-lhe eles: Não nascemos da prostituição; temos um pai, que é Deus. 42 Replicou-lhes Jesus: Se Deus fosse, de fato, vosso pai, certamente, me havíeis de amar; porque eu vim de Deus e aqui estou; pois não vim de mim mesmo, mas ele me enviou. 43 Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra. 44 Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.

Diabo deste modo, não é nenhum Ser, nenhum Espírito fadado ao mal, mas o sentimento de oposição ao Bem, a Deus, ao Cristo. O Mestre ainda aprofunda a ideia quando, segundo as anotações de João, diz que ele é o “príncipe deste mundo”5, pois nele, isto é, no mundo, vige este sentimento negativo, ele é quem domina; por isso, pai da mentira, pois é a ilusão do que é transitório, do que caminha na retaguarda da evolução.

Jesus estava usando de uma metáfora tão comum na cultura em que Ele se expressava ao usar a palavra diabo. Vejamos suas considerações:

Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra.

Isso não descarta que alguns Espíritos ligados ao mal sejam verdadeiros “diabos” personificados, encarnados ou desencarnados; entretanto, a expressão diz deste sentimento que é sempre contrário a Deus.

Voltemos ao texto. Alguns elementos ligados ao poder transitório e que se sentiam ameaçados pelas ideias do Manso por excelência, iriam atacar a comunidade de Jesus e buscar prejudicá-la, os dez dias citados podem nos dizer de dez anos de perseguição. Entretanto, o foco de nossa interpretação somos nós mesmos no “hoje” que nos diz respeito.

São os sentimentos opositores ao Bem e ao que o Evangelho ensina, que nos escravizam, que nos lançam na prisão. Sentimentos estes que devem ser por nós evitados em caráter de disciplina, para que possam ser convertidos em novas disposições mentais e afetivas capazes de gerar a Nova Criatura que devemos ser sob a orientação do Cristo.

Não é este o objetivo da reencarnação dos Espíritos, fazê-los melhores? Não é o mal que ainda produzimos o responsável por estarmos aprisionados na matéria?

para serdes postos à prova; o Senhor sabia como sabe até hoje e sempre, que esta “prisão” a que estamos sujeitos não tem por objetivo nem o sofrimento nem a morte de nenhum de nós, mas nos por à prova, pois só passando pelos testes depuradores dizemos se aprendemos ou não a lição, se já estamos em condições de sermos promovidos.

Deste modo, diante das provações, não nos desesperemos, entendamos que estamos a um passo de grandes momentos para o nosso Espírito, pois se já somos provados é porque Aquele que sonda nossos corações já está nos vendo capacitado a uma promoção espiritual, e isto é motivo de grande regozijo, pois é cumprimento da Vontade de Deus em nós.

Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.6

e tereis tribulação de dez dias. No encaminhamento evolucional do Espírito a tribulação é um instrumento didático de amplos valores. Para o elemento que progride ainda pelos impactos da vida num automatismo inconsciente, ela desperta nele a sensibilização. Na medida em que sofre, ele passa a compreender o sofrimento do outro, e com o tempo aprende que ajudar ao semelhante é uma das formas de se ajudar.

Para aquele que já caminha num grau maior de consciência além de oportunidade de serviço, a tribulação representa o “bom combate”, a luta íntima contra as próprias imperfeições, imperfeições estas que atrasam a evolução e consequentemente o equilíbrio e a paz interior.

Os dez dias podemos analisá-los em sua expressão de universalidade, significando um período a ser vivido pela comunidade. Se àquele tempo, por Esmirna, hoje seria nossa necessidade coletiva das provações por que passamos. Se estendendo esta comunidade a partir da família, passando pelos amigos, colegas de trabalho, cidade, país e indo até toda humanidade planetária de um modo geral em suas necessidades comuns.

Podemos vê-lo também representando a dinâmica de nossa própria evolução. O dez é uma ampliação do “um” que representa a Unidade, que é o equilíbrio em Deus. São dez mandamentos os quais Jesus reduziu-os a um: amar como Ele amou.

Saímos de Deus, e devemos a Ele voltar pela consumação do processo evolutivo.

Deste modo, saímos da Unidade que é Deus projetando-nos na dualidade que é o campo operacional em que temos que atuar.

A dualidade representa o “filho” dentro da trindade universal, é a obra criada. Deus-Pai cria, surge o filho. Nela evoluímos através de nossas incursões no dinamismo das experiências de luz e treva, amor e ódio, movimento e repouso, guerra e paz, e assim por diante. Neste processo, somos sublimados na trindade, que é o três da equação e representa o “Espírito santo”, que é o Espírito santificado ou, aquele que se aperfeiçoou.

Assim, temos a seguinte equação: 1 2 3

Saímos da Unidade (Deus), operamos como filhos através da dualidade e retornamos a Deus fechando a trindade através do Espírito santo que nos tornamos pelo processo de aperfeiçoamento.

Graficamente podemos representar assim, formando um ciclo:

1 3

2

Na repetição dos ciclos vamos ter a espiral representando todo processo evolutivo.

Portanto, estes dez dias representam um ciclo da nossa evolução, a cada período de tribulação vencida nos projetamos em novo ciclo e assim por diante até a consumação de todo processo que é quando nos tornamos Espíritos Puros.

Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Esta expressão diz de todo este processo acima descrito.

Há uma necessidade de sermos fiéis. O que nos diz de nosso ajustamento ao processo evolutivo e ao próprio Criador. Deus é Uno, assim Sua Lei se manifesta através de um princípio único que em última instância é amor.

Ser fiel a Ele é andarmos no amor.

Até a morte representa a “morte” de nossos condicionamentos, daquilo é negativo em nós, do psiquismo construído em oposição à Verdade, ao Bem.

É a morte do homem velho que está no fim da caminhada evolutiva. Aquele que chegar lá sendo perseverante, receberá a coroa da vida, que é a insígnia daquele que alcançou a Vida Eterna, que consumou seu processo evolucional, que alcançou domínio sobre si mesmo.

Interessante observarmos que temos a morte gerando a vida, isto acontece quando se trata da morte dos padrões inferiores; todavia podemos ampliar o entendimento e ver na morte do aprisionamento do Espírito na matéria, que pode representar a própria encarnação e seus desdobramentos nas reencarnações, o processo de conquista desta Vida Abundante, que é o coroamento citado no versículo.

11 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: O vencedor de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte

A primeira parte do versículo já foi por nós comentada, pois se repete para todas as igrejas. Lembramos que esta era uma forma de expressar verdades ocultas.

Na sequência temos expressões desafiadoras ao nosso entendimento.

De um modo geral os intérpretes deste texto têm visto na segunda morte uma morte eterna do Espírito, uma queda definitiva no Hades.

Antes de qualquer coisa é preciso entendermos que esta possibilidade não existe, pois seria uma falha de Deus se isso acontecesse, e Deus não tem esta possibilidade, a de falhar.

Por que fazemos tal afirmação? Porque Deus é onisciente, o que quer dizer que Ele tem o conhecimento infinito de todas as coisas, ou seja, do passado, do presente e também do futuro. Para Deus o futuro é o presente, para Ele o tempo não passa, o tempo é.

Portanto, se Ele conhece o futuro, e todas as religiões sabem e defendem isto, Ele ao criar um Espírito já saberia se ele iria salvar-se ou não, se teria de modo finalístico a felicidade ou o sofrimento para sempre. Se esta fosse uma possibilidade, Ele não criaria este Espírito que iria sofrer pela eternidade, pois se um pai humano, que ainda tem o amor num grau pequeno se comparado ao de Deus, não quer a perda de seu filho, o que dizer então do Criador que é Amor?

Lembremos, um Espírito que vai para o suposto suplício eterno, é também um filho de Deus, e qual pai não sofreria eternamente sabendo seu filho perdido para sempre? Que mãe desejaria o céu se soubesse seu filho amado no inferno? O amor de Deus é incomparavelmente maior do que o de qualquer mãe.

Portanto, não tem a menor coerência com a Bondade Suprema de Deus a questão das penas eternas e da segunda morte sob este ponto de vista.

Existem ainda muitas outras questões que mostram-nos a impossibilidade e a vulnerabilidade desta teoria, entretanto, não vamos nos estender mais sobre o assunto, pois este não é o nosso tema prioritário.

Descartada esta hipótese, o que podemos entender então por segunda morte?

Vê-la-emos sob alguns aspectos.

Como comentamos no versículo anterior, a morte é algo natural da vida, é até gerador desta. Morre-se numa fase para renascer-se em outra; morre o velho para nascer o novo; morrem nossas negatividades, nascem virtudes… e assim por diante.

Poderíamos para efeitos didáticos chamar esta morte de primeira morte e dizermos que a primeira morte é natural e inerente ao processo evolutivo, porém a segunda morte não, ela não faz parte do plano de Deus. Ela é uma queda consciente, um erro que se sabe que não pode ser cometido, uma irreflexão continuada, fruto de uma ideia fixa.

Quando usamos nosso livre arbítrio para errarmos de modo consciente, perdemos o direito a ele, esta é uma das possibilidades da segunda morte, pois representa nossa entrada num processo expiatório sem opções de escolha, não podemos decidir nada, ficamos à mercê da situação.

Daí pode-se redundar, dependendo do caso e da gravidade da situação, numa transmigração do Espírito para outro orbe num estado mais atrasado de evolução; num perda do corpo espiritual, realidade esta que o instrutor André Luiz nos fala quando comenta sobre os Espíritos “ovoides”; ou numa reencarnação em nosso próprio planeta, porém destituído o Espírito de seus sentidos mais importantes.

Imaginemos uma situação em que um Espírito tenha de reencarnar privado da audição, da visão, e da fala. E tenha que viver nestas condições por noventa anos. Não serão estas nove décadas uma eternidade para ele?

O que dirá então um Espírito que for privado de um mundo como o nosso, globalizado, informatizado, com todo o progresso científico que temos, e tiver que passar um período de alguns milênios num orbe primitivo onde ainda não se tenha descoberto a roda, o fogo, ou quaisquer outras situações de progresso; não será para este Espírito como que uma pena eterna que pode ser qualificada como segunda morte?

Deste modo, podemos depreender que esta é uma situação bastante grave e complexa, em que o Espírito deve por todos meios evitá-la, pois em qualquer dos casos citados e em outros que ainda podemos imaginar, não será uma processo fácil de ser vivido e nem simples de deixar de vivê-lo, mas que como já dissemos, terá este processo sua relatividade quanto ao tempo, um dia acabará quando o Espírito se redimir, nada será eterno a não ser a felicidade alcançada pelo justo.

Diz ainda o versículo, que o vencedor de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte.

Por vencedor devemos entender aquele que venceu suas próprias imperfeições, que tem o controle sobre si mesmo, que tem autoridade e domínio sobre qualquer situação por elevação moral.

Como tornar-nos um destes? É Jesus quem ensina:

Em verdade, em verdade vos digo: se alguém observar a minha palavra, não verá a morte, eternamente.7

Este “verá” é uma expressão hebraica que tem o sentido de “experimentar”; assim depreendemos que o modo de não vivermos a “morte” que aqui pode ser entendida como “segunda morte”, é observando os ensinamentos de Jesus, isto é vivendo-os, praticando-os.

E o texto não deixa dúvidas este que viver Jesus de nenhum modo experimentará a segunda morte, o que nos leva a concluir que o Evangelho é o antídoto da morte, da infelicidade, de qualquer tipo de sofrimento.

1 Apocalipse, 2: 8 a 11

2 Cf. Mateus, 19: 24 e referências.

3 Mateus, 24, 24

4 DIAS, Haroldo Dutra (tradutor). O Novo Testamento. Brasília: Conselho Espírita Internacional, 2010.

5 Cf. João, 16: 11

6 Tiago, 1: 2 a 4

7 João, 8: 51