Tiago, 1 : 13 e 14

 

 

Ninguém, ao ser tentado, deve dizer: “É Deus que me está tentando”, pois Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta.

Devido ao duplo entendimento do verbo grego peira (tentar, provar), é bem possível que entre os cristãos houvesse dúvidas sobre a possibilidade de Deus levar o homem à tentação.

Na prece ensinada por Jesus já ficara esta dúvida, pois o Mestre assim disse: Não nos induzas (ou conduzas, grego eisphero) à tentação (ou provoção?)1

Portanto, era preciso que Tiago esclarecesse esta dúvida o que ele faz bem.

Ninguém, ao ser tentado, deve dizer: “É Deus que me está tentando”; Ninguém terá o direito de por a culpa de suas quedas no ato de ser Deus que o tentou sem que ele tivesse condições para suportar. Não é Deus quem induz à tentação, esta se dá devido a um sentimento que vem de dentro da própria criatura. Paulo também alertara:

Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.2

Ou seja, há aí dois enganos, a tentação é humana, é devido a uma fraqueza do Espírito ainda vinculado às imperfeições humanas, e Deus, jamais deixa que este seja provado acima de suas possibilidades de resistir. Se assim não fora, a vida perderia sua função didática.

Continua a esclarecer o apóstolo: pois Deus não pode ser tentado pelo mal. Como dissemos a tentação diz respeito a uma fraqueza da criatura. Em Deus não há fraqueza, quando Paulo afirma que fiel é Deus, quer dizer, como Tiago, que Nele não há mudança, nem sombra de variação3.

O mal é atributo da criatura, é algo transitório (…toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada.4), é inexistente em Deus. E se a tentação fosse algo exterior à criatura seria uma atitude de maldade daquele que a impõe a outro, deste modo é nula a possibilidade de Deus tentarpois Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta.

Não há como ser mais claro, Tiago ensina aqui o que mais tarde iria ser retomado pela Doutrina Espírita em sua feição de Cristianismo Redivivo, que é a impossibilidade de transferência de responsabilidade, ou seja, não podemos tributar a ninguém, muito menos a Deus, a culpa por nossos erros, por nossas quedas, por nossas insatisfações.

Antes, cada qual é tentado pela própria concupiscência, que o arrasta e seduz.

O Evangelho não pode deixar dúvidas, assim o apóstolo continua esclarecendo, explicando o mecanismo de queda do Espírito.

Antes, cada qual, isto é individualmente, responsabilidade pessoal.

É tentado pela própria concupiscência…; concupiscência segundo os dicionários comuns é o desejo, a cobiça de bens materiais ou de algo que diz respeito aos prazeres da sensualidade. Pode ser ampliado a tudo que nos leva ao engano da ilusão.

A tradução de Almeida ainda inclui o verbo atrair (no particípio – atraído), ficando assim: tentado, quando atraído… pela própria concupiscência.

A atração define o nível evolutivo do Espírito. Emmanuel nos afirma que se quisermos saber o que fomos em encarnações anteriores basta analisar as nossas tendências. Em outras palavras, basta observarmos o que nos atrai, pois a atração nada mais é do que as forças da retaguarda se fazendo presente e por instinto tentando gerenciar nossas atitudes atuais.

Os verbos arrastar e seduzir informam-nos da intensidade com que estas forças ainda atuam em nós.

Não foi outro o motivo que Jesus orientou:

Olhai, vigiai e orai…5

Ainda segundo o mesmo mentor espiritual nossa mente pode ser comparada a um grande escritório onde temos os departamentos do desejo, da inteligência, da memória, e outros, tendo acima destes o “gabinete da vontade”. Informa-nos este excelente instrutor que o departamento do desejo é responsável por operar os propósitos e as aspirações.6

Segundo depreendemos destes ensinamentos nossos desejos e aspirações estão ligados diretamente ao nosso passado, são eles que definem nossos pontos de atração; todavia, mesmo que sejamos ainda assaltados por ondas mentais de padrão inferior, o que ainda é muito natural devido ao nosso atraso no campo da evolução moral, a Divina Providência nos legou o “gabinete da vontade” afim de que pudéssemos gerenciar de forma consciente nossas atitudes atuais, e assim construir paulatinamente o Ser evangelizado de amanhã.

Portanto, se ainda somos arrastados e seduzidos para atividades mentais inferiores ou mesmo para ações indesejáveis a um cristão, devido às nossas vinculações com os enganos do passado, nada disso é justificativa para entrarmos em queda. Todos temos na vontade a possibilidade de mudarmos conscientemente o rumo de nossa evolução nos libertando das amarras que nos prendem aos sofrimentos e dores da inconsciência.

1 Mateus, 6: 13

2 1 Coríntios, 10: 13

3 Cf. Tiago, 1: 17

4 Mateus, 15: 13

5 Marcos, 13: 33

6 Pensamento e Vida, cap. 2