I Tessalonicenses, 2: 1 a 4

Porque vós mesmos, irmãos, bem sabeis que a nossa entrada para convosco não foi vã; mas, havendo primeiro padecido e sido agravados em Filipos, como sabeis, tornamo-nos ousados em nosso Deus, para vos falar o evangelho de Deus com grande combate.

Não foi inútil a presença de Paulo entre os tessalonicenses. Cada expressão evangélica requer cuidado e atenção em sua interpretação. Não podemos atropelar as palavras como se elas nada quisessem dizer, todo o texto evangélico é uma expressão do pensamento do Cristo, é a mensagem viva de Deus.

Ao nos dizer que sua estada entre os irmãos de Tessalônica não foi vã, como também não foi em nenhuma outra comunidade, o fiel discípulo do Cristo nos leva a refletir em como tem sido a nossa participação na comunidade de fé que elegemos. Que mensagem temos levado nas entrelinhas de nossas ações? Que ambiente temos criado? Como temos nos entregado à proposta de edificação? Tem sido útil a nossa participação, ou melhor seria para os outros, se lá não estivéssemos? São pontos, entre outros do mesmo conteúdo, a ser por nós trabalhado em nosso necessário serviço de autoconhecimento.

Paulo chegou a Tessalônica após passar por Filipos, aqui ele lembra a seus amigos como foi sua passagem por lá, cheia de padecimentos; sendo inclusive açoitado e castigado em praça pública e conduzido à prisão em péssimas condições. Para compreendermos melhor tais torturas devemos ler o livro de Atos dos Apóstolos em seu capítulo 16 nos versículos de 11 a 40, e o livro de Emmanuel, já citado, Paulo e Estevão, no cap. VI da segunda parte, mais propriamente a partir da pág. 5061.

Não queremos pregar a necessidade de se ter que padecer para vivenciarmos o Evangelho que é em sua essência expressão de alegria. Esta não foi de nenhum modo a intenção do apóstolo; porém, deixa-nos a lição de que, quando esse padecimento surge de forma natural devido a incompreensão do mundo, ou de nossa adaptação a uma proposta de maior espiritualidade, não devemos jamais abandonar a luta que ele próprio denominou de bom combate2.

Dizemos isso por que é muito comum entre nós aguardarmos uma situação de maior tranquilidade para exercermos o trabalho no campo do Espiritismo e do Evangelho. Este não é o exemplo de grandes almas que tiveram e têm-se dedicado ao serviço do Cristo apesar de todas as dificuldades e contrariedades.

Por assim ter feito, Paulo pôde, com autoridade, dizer ter tornado-se ousado em Deus, para falar o evangelho com grande combate.

Aqui sentimos novamente a necessidade de analisarmos separadamente algumas expressões.

tornamo-nos – Isto é, fizeram-se - eles e Silas, que é os que estavam em Filipos – de dentro para fora. Transformaram-se em…

ousados em nosso Deus – O que é ser ousado em Deus? Sinceramente, em nossa pequenez, não sabemos se temos condição de analisar com profundidade este trecho, todavia, dentro das nossas limitações entendemos que é avançar no entendimento sincero da proposta do Criador para a nossa vida, com fidelidade e atitude sincera de transformação de si mesmo para atendimento de Seus desígnios. A filosofia é necessária, e até prazerosa, mas muito mais é preciso: comprometimento com a mensagem superior que Deus nos enviou que é o próprio Evangelho.

O apóstolo é claro, é preciso ser ousado para falar do Evangelho, pois senão vira simplesmente retórica; e notemos que ele atribui o Evangelho a Deus. Jesus foi e é, simplesmente o máximo que conseguimos alcançar em entendimento, todavia, foi apenas o instrumento de Deus para trazer a nós sua Perfeita Mensagem. Paulo cita sempre o Cristo, que foi uma missão de Jesus, admira profundamente este grandioso Espírito a quem ele é grato e fiel, todavia jamais se deixa levar pela idolatria, nem mesmo ao Mestre que ele tanto ama.

com grande combate. – Já comentamos a respeito, mas é sempre bom lembrar. É um combate interior, contra as próprias imperfeições. Não um combate às pessoas, exterior. Se às vezes parecia que Paulo, ou o próprio Jesus, combatia os fariseus e saduceus como pessoas, em essência não é isso o que acontecia, eles lutavam era contra o que eles representavam em termos de atraso para a mensagem da Boa Nova. Era a condição de retaguarda, de falsidade, de cultivo de aparências simplesmente exteriores em que se encontravam é que deveria ser combatida. Deus não quer a morte do pecador, mas do pecado. É o mesmo Paulo quem afirma:

Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte.3

Porque a nossa exortação não foi com engano, nem com imundícia, nem com fraudulência; mas, como fomos aprovados de Deus para que o evangelho nos fosse confiado, assim falamos, não como para agradar aos homens, mas a Deus, que prova o nosso coração.

Aqui faz-se necessário trabalharmos alguns significados:

Exortação: Ato de exortar, animar, estimular. Conselho, advertência, admoestação.

Imundícia: Falta de asseio, porcaria, lixo, sujidade, sujeira. Qualidade, estado ou condição de imundo. Para este versículo podemos também traduzir por motivos espúrios.

Fraudulência: Qualquer ato ardiloso, enganoso, de má-fé, com o intuito de lesar ou ludibriar outrem; logro; ação que se vale de astúcia, manha, sagacidade; ardileza, maquinação.

Paulo buscava animar, estimular os seus seguidores, mas também advertir. Pois tinha grande experiência e conhecia as armadilhas que o mundo prepara para aqueles que aderem a uma proposta sincera de renovação dentro de uma prática baseada na pura moral do Evangelho. Ele não fazia isso visando enganar, nem muito menos sendo astuto, ou maquinando para atender a objetivos inferiores.

Tinha ele perfeita consciência de que fora aprovado e escolhido por Deus para divulgar o Evangelho. Deus o confiara uma missão, e ele como sempre lhe fora fiel, fazia questão de executar sua tarefa com grandiosidade nos mínimos detalhes. Não que primasse pelo perfeccionismo, mas procurava realizar bem e com fidelidade a Vontade do Alto.

O Criador nos tem achado digno de várias realizações, a cada um de nós chamou para realização de determinada tarefa. Como temos nos saído? Insistimos nesta colocação, pois esta é uma reflexão que temos de fazer constantemente.

Agradar a Deus é realizar a Sua Vontade, atender aos objetivos da criação. Porém, como isso passa pela eliminação do interesse pessoal, nossa vinculação com essa proposta desagrada a todos que ainda encontram-se levados pela ilusão da vida imediatista, dos valores materiais. Esses, a quem o autor desta carta chamou de homens, sentem-se prejudicados e buscam desarticular o nosso trabalho. Todavia, Aquele que perscruta o nosso coração, que nos prova visando a nossa promoção, sabe a sinceridade com que trabalhamos e dá a cada um segundo as suas obras. Essa consciência é clara em Paulo, por isso a sua fidelidade. Ele não desiste nunca, enfrenta açoites, prisões, e até mesmo naufrágios; e tem um só objetivo, a implantação do Evangelho no coração de todos os que ele sabe serem irmãos por parte do Pai que é também o Pai de Jesus, o Cristo de Deus.

1 41a. Ed., FEB, Rio de Janeiro, 2004.

2 Cf. 2 Timóteo, 4:7

3 1 Coríntios 15:26